quarta-feira, dezembro 17, 2003

Fenómenos

Entre os infinitos fenómenos que se dão à minha volta, isolo um. Reparo, por exemplo, num cinzeiro que tenho em cima da mesa (o resto fica imerso na sombra).
Se essa percepção se justifica (por exemplo, reparei no cinzeiro porque quero sacudir a cinza do cigarro), tudo vai bem.
Se reparei no cinzeiro por acaso e não tornei a pensar nele, tudo vai igualmente bem.
Mas se, depois de ter atentado nesse fenómeno sem qualquer fim determinado, voltar ao mesmo, que desgraça! Porque terei lá voltado, uma vez que aquilo não tem qualquer significado especial? Ah, ah! então é que sempre significava alguma coisa para mim, pois que lá voltei. E eis como, pelo simples facto de nos termos concentrado, sem razão, um segundo a mais sobre o fenómeno, a coisa começa a ficar um tanto à parte, começa a carregar-se de sentidos...
- Não, não! (defendemo-nos nós!), é um cinzeiro banalíssimo.
- Banalíssimo? Então porque nos defendemos, se na realidade ele é banal?
É assim que um fenómeno se transforma numa obsessão...
Será a realidade, na sua essência, obsessiva? Dado que construímos os nossos mundos por uma associação de fenómenos, nada me surpreenderia que, no começo dos séculos, tivesse havido uma associação gratuita e repetida, fixando uma direcção no meio do caos e instaurando uma ordem.
Há, na consciência, qualquer coisa de armadilha para si própria.

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