Pareceu-me poesia todo o filme.
Desde a beleza do título - repitam, The eternal sunshine of the spotless mind - acho que ainda gosto mais por não o perceber.
Uma síntese, um destilar, de enorme beleza, daqueles que são os desejos, as histórias e os medos de mil pessoas e mil casais.
E tratando de forma original esse tema fascinante da memória, do que somos e do que faz com que possamos ser. Do que escondemos, do que escondemos mais fundo, como as humilhações; do que guardamos, de bom e mau; do que faz as relações e os seus trajectos.
Para além do tratamento da ideia e da qualidade do texto (este Kaufmann é um génio), quis o senhor realizador dar-nos imagem e fotografia límpidas, elucidativas, doces, novas para mim, contemporâneas e, não por último, amarelas. Com duas pessoas deitadas num lago gelado, uma casa que desvanece à nossa frente, uma camisola laranja.
Se o filme acabasse dez minutos antes, quando, logo após a última memória começar a desmoronar-se, nos fazem regressar à estação de comboio, teria a beleza de evitar explicações excessivas. Teria ainda a vantagem de não permitir que o herói ficasse com a míuda e o dinheiro, com tudo, como sabemos que não acontece na vida real. Por outras palavras, o casal ficaria novamente junto, mas não se lembraria do passado, pagando assim o preço de ter tomado a decisão de se "apagar".
Afinal, temos ainda mais uns minutos em que o trama secundário da Kirsten Dunst permite que as personagens recuperem as suas memórias.
Dei assim por mim a preferir a primeira solução; depois apercebi-me que aquele pormenor, que retira simplicidade ao final, acrescenta às decisões a importante característica da honestidade, do esclarecimento.
A escolha de (re)começo é uma escolha consciente, que conhece as revelações terríveis que ambos fazem, que antecipa problemas e que aceita o preço da escolha.
E ainda tive as sensações-bónus de ver o filme provavelmente no seu último dia de exibição no Porto, um presente conseguido.
E de receber a visão, que estava totalmente fora do meu mapa mental mediterrânico, da neve na praia.
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