sexta-feira, abril 01, 2011

Há uma impossibilidade neste tempo

Os partidos políticos, mais ou menos articulados, apresentam-nos narrativas (histórias) para a Sociedade, para a Economia, mas também para o mais pequeno pormenor técnico-regulamentar. Estas narrativas são mais ou menos treinadas, "eficientes", repetidas, repetidas, repetidas.

São muitas vezes coerentes para quem as ouve. Com as repetições, repetições, repetições as "impurezas" destas narrativas vão desaparecendo, tornando-as ainda "melhores". E todas apelam a uma escolha, a uma escolha diferente, claro.

E muitas pessoas querem saber, informam-se, arriscam escolhas. Mas, lá no fundo, sabem que estas escolhas são sempre "primárias", "orgânicas" (é o nosso corpo que decide antes?), ideológicas (seja). A informação é sempre incompleta e a acção potencial também.

E depois colocamos um voto na urna. Por isto ou por aquilo, criando uma narrativa própria ou adaptando (consciente ou inconscientemente) uma outra.

Muito provavelmente as narrativas políticas que nos apresentam têm, todas elas pontos mais fortes e pontos mais fracos. Para complicar tudo a "qualidade" destas narrativas também vai depender da evolução do contexto ("o que não determinamos"), hoje imprevisível (mas possivelmente antecipável).

Podemos, eu sei, ter a nossa própria narrativa sobre a Sociedade ou a Economia. Podemos pensar nela (uma meta-consciência), torná-la mais resiliente, sabendo que é sempre frágil e perene e curta e indefinida.

Eu sugiro três caminhos possíveis e articuláveis para a procura da nossa narrativa individual:

1) Procurá-la da mesma forma que uma imagem surge no seu negativo. Isto é, procurar a nossa narrativa procurando incessantemente o que dela não faz parte, conhecendo ao pormenor o que negamos.

2) Usar mediadores que, ao longo do tempo, acompanhados por nós de perto, nos mostram a sua dedicação, curiosidade e clareza de análise (a minha mãe, por exemplo, escolheu o José Gomes Ferreira e o António Barreto, entre outros).

3) Usar o futuro para decidir hoje mas não para deixar de estar aqui, neste momento, sentado a escrever um texto num blog, rodeado de notas sobre as muitas coisas que tenho a fazer e a ouvir o Presidente da República, na televisão, a comunicar que aceitava a demissão do Governo e que vamos ter eleições no início de Junho. O potencial de existir (e de decidir) "estando" é muito grande. Este "estar" sintetiza, em tempo real e/ou numa decisão, o passado longo e o futuro longo. Nesse gesto tudo se decide e, a seguir, desse gesto como decisão já não resta nada, "apenas" a sua interacção com o seu contexto e a sua interacção com a nossa narrativa em construção.

Esta interacção entre "gesto" e "narrativa em construção" é o ponto onde estou.